Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Sobre Livros - Notícia sobre a Brasiliana

... De Rubens Borba de Moraes


Exemplar com anotações do Autor. Fotografia de Cinzia Araújo (Edusp)
Em O Bibliófilo Aprendiz, Rubens Borba de Moraes (1899-1983) sugere a existência de três tipos de bibliotecas particulares. Um primeiro tipo perfaz a coleção do estudante pouco afortunado, porém, cioso de suas leituras. Esta biblioteca está longe de se inserir no mundo da bibliofilia, com seus códigos, segredos, circuitos e, logicamente, com seus compradores e vendedores astutos. Neste mundo se reconhece não raro o esforço do bibliófilo nouveau-riche, que comparece aos principais leilões, compra os livros mais caros do mercado e constitui, por esses meios, uma bela coleção de raridades, ou de curiosidades bibliográficas. Coleção que, por sua vez, se diferencia daquela formada por outra estirpe de bibliófilo, para quem o interesse pelo livro nasce de uma combinação feliz do amor e da erudição. Nesse caso, a escolha é determinada pelo campo de interesse e pelas possibilidades financeiras do colecionador. Se bem que, no fim das contas, como adverte o autor desse delicioso ensaio, “não há coleção tola ou ridícula quando feita com arte, gosto e conhecimento.
Fotografia de Cinzia Araújo (Edusp)
Deve-se, portanto, reconhecer como fruto do labor de toda uma vida dedicada à arte de conhecer e colecionar livros, os dois alentados volumes da Bibliographia Brasiliana, chef-d’oeuvre de Rubens Borba de Moraes que acaba de vir à lume em primeira edição brasileira, revista e aumentada, de acordo com as “instruções para uma improvável edição póstuma lá pelo ano de 2003”, nas quais o autor anuncia, em tom irreverente, a necessidade de se consultar seu exemplar “anotado e ‘recheado’ de papeletas”. 
Fotografia de Cinzia Araújo (Edusp)
A “improvável edição póstuma” tardou a sair, mas certamente satisfaria as expectativas do autor, pelos acréscimos realizados, pela tradução eficiente e pela revisão zelosa. Como todo amante do livro não se furta ao prazer da posse de um volume bem encadernado, com tipografia límpida e cuidadosa, não há dúvidas de que neste aspecto os volumes superam e muito a edição anterior – diga-se de passagem, muito bonita! Pois as primeiras edições da Bibliographia Brasiliana, vale ressaltar, saíram em inglês, a primeira em 1958, em Amsterdã e uma segunda, em 1983, já com os referidos acréscimos, numa coedição realizada entre a Universidade da Califórnia e a Livraria Kosmos Editora.
São mais de 10.000 títulos inventariados e 300 ilustrações de folhas de rosto de obras raras que enriquecem os volumes. Sobre os critérios de seleção dos títulos, adverte o bibliófilo em prefácio à segunda edição:
Mantive, no entanto, o mesmo objetivo: descrever e comentar livros raros que enfocassem vários aspectos do Brasil, antes, ou imediatamente após a Independência, em 1822. Incorporei os verbetes de minha Bibliografia Brasileira do Período Colonial (São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros, 1969) e encurtei os comentários. Nesta edição revista, os verbetes relativos aos livros dos séculos XVI, XVII e XVIII tiveram maior destaque do que aqueles das obras publicadas no século XIX, época em que a produção foi intensificada. Uma vez que os livros se tornaram mais acessíveis, as publicações desse último período deixaram de encaixar-se numa bibliografia sobre livros raros.
Note-se que para além do caráter elucidativo da produção impressa sobre o Brasil, a obra diz muito sobre a produção ulterior de Rubens Borba de Moraes, como bibliófilo, certo, mas, também, no campo da história do livro e da biblioteconomia.
O gosto pela pesquisa que não raro aproxima a figura do bibliófilo à do historiador, tendência que se acentua dado o caráter ensaístico de seus escritos, bem ao sabor de sua geração, confirma-se em Livros e Bibliotecas no Brasil Colonial. A epígrafe assinada por Lucien Fevbre – “L’historien n’est pas celui qui sait. Il est celui qui cherche” (“O historiador não é aquele que sabe. Ele é aquele que pesquisa.”) – não deixa dúvidas sobre o novo sentido que se lhe conferem as andanças pelas bibliotecas e leilões do mundo: à coleção e ao inventário, somam-se as reflexões sobre a natureza do livro e  seus múltiplos significados para a formação da cultura brasileira. Dir-se-ia, à luz do historiador francês, trata-se de tomar o livro como um fermento das sociedades. Mais: o livro a serviço da História. 
Uma vez mais, talvez de forma inconsciente, o espírito de vanguarda aflora na pena do autor, ao se aperceber da invasão que o campo da bibliografia operava na disciplina histórica. Em uma época em que a História do Livro se afirma com vocação multidisciplinar, ou transdisciplinar, Rubens Borba de Moraes não teria nada a justificar aos leitores sobre esta possível transgressão. Donde o valor de suas reflexões e, uma vez mais, do livro que acaba de ser editado pela Edusp em parceria com a Fapesp.

Versão completa do artigo em Livro n.1 - Revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição (NELE)
www.ateliereditorial.com.br

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