Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Novidade! Books and Periodicals in Brazil (1768-1930)


Ana Cláudia Suriani da Silva e Sandra Guardini Vasconcelos acabam de editar, em Londres, bela edição que reúne contribuições brasileiras recentes no campo de estudos do livro, da imprensa e das práticas de leitura. 
O livro tem edição primorosa, que vai do acabamento, hard cover à composição clássica que assenta bem sobre o couché fosco. Ilustrações e tabelas enriquecem a exposição. Uma ampla bibliografia e um Index minucioso de nomes e lugares encerram com chave de ouro esta novidade editorial.  


Para mais informações http://www.legendabooks.com/titles/isbn/9781909662322.html
Sumário
Introduction, Ana Cláudia Suriani da Silva and Sandra Guardini Vasconcelos
1. Reading in Colonial Brazil, Márcia Abreu
2. Booksellers in Rio de Janeiro: the book trade and circulation of ideas from 1808 to 1831, Lucia Maria Bastos Ferreira and Tania Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira
3. Seditious Books and Ideas of Revolution in Brazil (18300-71), Marisa Midori Deaecto and Lincoln Secco
4. Migratory Literary Forms: british novels in nineteenth-century Brazil, Sandra Guardini Vasconcelos
5. The Library that Disappeared: the Rio de Janeiro British Subscription Library, Nelson Schapochnik
6. The History of a Pseudo-Dumas Novel: The hand of dead, Paulo Motta Oliveira
7. Revista Nacional e Estrangeira (1839-40): a foreign or a brazilian magazine?, Maria Eulália Ramicelli
8. The Role of the Press in the Incorporation of Brazil into Paris Fashion System, Ana Claudia Suriani da Silva
9. The Brazilian and the French Bas de Page, Lúcia Granja
10. How to Be a Professional Writer in Nineteenth-Century Brazil, Marisa Lajolo and Regina Zilberman
11. Print Technologies, World News and Narrative Form in Machado de Assis, Jussara Menezes Quadros
12. The Brazilian Book Market in Portugal in the Second Half of the Ninetenth Century and the Paradigm Change in Luso-Brazilian Cultural Relations, Patricia de Jesus Palma
13. Popular Editions and Best-sellers at the End of the Nineteenth Century in Brazil, Alessandra El Far
14. The Brazilian Publishing Industry at the Beginning of the Twentieth Century: the path of Monteiro Lobato, Cilza Bignotto and Milena Ribeiro Martins



quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Livro de Castilho Gomes aborda as leituras e os leitores no século de Cervantes

A Hora do Leitor... e da Leitora


Leitores e leitoras constituem o elo mais distante da cadeia produtiva do livro. Tanto para os autores quanto para os editores eles se situam numa zona nebulosa à qual todos pretendem aceder, embora poucos realizem com êxito esta busca. Podemos imaginar que os autores conversam com seus leitores imaginários no momento mesmo da criação de um texto. Da mesma maneira que os editores estabelecem um horizonte de possibilidades desde que tem em mãos os originais de um futuro livro. Não se trata de discutir o grau de apelo mercadológico que possui este ou aquele escrito, mas de assumir que um livro se completa quando é lido. Ou seja, quando se desmaterializa diante dos olhos de um leitor para se transformar em texto.
São portanto muito raras as chances de se identificar historicamente o momento e as formas como se dão esta metamorfose. E ainda mais inatingíveis as ocasiões em que o ato de ler se transforma em um registro histórico.

Livros e Leituras na Espanha do Século de Ouro, de Antonio Castillo Gómez (Ateliê Editorial) traz a luz as experiências pessoais e coletivas da leitura, bem como o comportamento dos sujeitos que leem e dos lugares onde o fazem. 

E, aspecto importante, não se trata de evidenciar apenas os que vivem rodeados de livros, mas também aqueles que pertencem a grupos sociais menos familiarizados com a cultura escrita, seja por estarem menos alfabetizados, seja pela marginalização provocada por certas políticas do material escrito, principalmente no que diz respeito às classes populares e às mulheres.
Dentre as fontes devassadas, parece clara a primazia dos processos inquisitoriais. Um mar de escrita que convida a novas interpretações, não apenas focadas nos sofrimentos das vítimas e no arrazoado que fez do Tribunal do Santo Ofício um edifício sólido construído no calor das paixões da Contrarreforma, mas no olhar compenetrado, centrado no indivíduo, nas suas fraquezas e nos seus devaneios. O que faz do capítulo destinado às leituras nos cárceres da Inquisição o momento mais marcante do volume que ora se apresenta. Afinal, se se abandonam os livros à condição subalterna de mediador, senão, de ponto de contato possível entre a leitura e a escrita, cujo sentido se constrói a posteriori, pela ação do indivíduo, não são raros os momentos em que a materialidade do livro protagoniza algumas das narrativas aqui traçadas. O livro que se guarda entre a camisa e a pele nas celas frias da prisão. Os livros que são impiedosamente queimados. Estas e outras passagens constituem exemplos notáveis e de rara poesia, o que torna a leitura deste volume não apenas prazerosa, mas necessária para se compreender o misticismo, as angústias, o brilhantismo e as contradições próprias do século de Cervantes.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Chico Buarque e sua Casa de Papel

Quem ziguezagueia pela casa de papel imaginada por Chico, desvenda pouco a pouco uma cartografia algo imodesta da literatura universal.



As paredes forradas de livros não abafam o toque toque da máquina de escrever. No escritório o silêncio é rompido de quando em vez por uma voz masculina. Mas não há diálogo, apenas alguns pedidos de títulos que a mãe não se demora a atender, como bibliotecária prestimosa e boa conhecedora – talvez a única? - daquele labirinto de corredores e de fileiras de livros que conformam as vigas mestras da casa.
Quem ziguezagueia pela casa de papel imaginada por Chico, desvenda pouco a pouco uma cartografia algo imodesta da literatura universal. No quarto do irmão mais velho, os livros de linguística, de arqueologia, além da mapoteca, dos espanhóis e dos chineses. Para o mais novo, descansam nos umbrais do cômodo os escandinavos, a Biblia, a Torá, o Corão e “metros e metros de dicionários e enciclopédias”. O homem feito que vagueia pela casa ainda sente roçar as espinhas contra o dorso dos volumes e as bochechas a se esfregar, pele contra pele, no couro do Vieira. Uma ligação sensual que se construiu, enfim, desde as primeiras descobertas do olfato, do tato, do gosto e do olhar. Pequenos prazeres que se consumam, inesperadamente, no gosto “erótico em separar dois livros apertados, com o anular e o indicador, para forçar a entrada de O Ramo de Ouro na fresta que lhe cabe”.
Na casa de papel são resguardados os vestígios de vários tempos. Do tempo dos livros, como aqueles volumes renascentistas que o pai ostentava na estante principal, da sala de estar. Do tempo do menino consumido pela ira, que reduziu um Staden original a tiras de papel. Dos tempos de formação, que levaram aquele mesmo antigo menino e exibir na escola e, mais tarde, pelos corredores do Maria Antônia edições raras, com autógrafos e dedicatórias que remetiam ao pai onipresente.
Também na casa de papel são revelados os primeiros vestígios de um tempo circular, no qual pai e filho se veem dolorosamente ligados a um segredo do passado. Assim os primeiros traços de um irmão perdido no tempo se anunciam nas maus traçadas linhas de uma carta esquecida no volume empoeirado do Ramo de Ouro, este clássico de James George Frazer, que o pai certamente trouxera de Berlim. Assim o irmão alemão de Chico Buarque vai se revelando em meio a um sistema literário sofisticado, que sobrevive às intempéries da História, daqui e de além-mar. Como contraste às relações movediças que demarcam as experiências na cidade e, por certo, como contraponto à violência assistida nas próprias cidades, sobrevive na casa de papel a ordem dos livros. A ordem da memória. Da memória da casa do pai, este personagem invisível e onisciente. Um dos "Sérgios" a quem Chico Buarque dedica O Irmão Alemão, seu mais novo romance.

TODAS AS QUARTAS, UMA NOVA POSTAGEM!