Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Sobre Livros – Encadernação


Com nervo ou à grega?

Exemplar de 1399, do Musée de Cluny (Paris-França)
 A encadernação nasce da necessidade de proteção do miolo do livro. No caso dos rolos, o pergaminho era embrulhado e etiquetado para sua melhor identificação, tendo em vista todas as dificuldades de armazenamento e catalogação face às facilidades que mais tarde seriam encontradas no códice. É claro que esta evolução se demora, pelo menos cinco séculos a contar do primeiro de nossa era.
Mas a encadernação evolui tanto quanto o objeto ao qual ela se destina a proteger.
O salto mais significativo ocorre, sem dúvida, entre os manuscritos produzidos a partir do século XIII. Em particular entre os códices ricamente decorados e encadernados, com seus fechos decorados e seus motivos artísticos gravados com materiais nobres. Exemplo superlativo da comunhão entre técnica e arte são os livros encomendados pelos duques de Burgonha, na Flandres meridional, entre os séculos XIV e XV.
Na primeira idade da imprensa os livros guardaram aqueles mesmos atributos de enobrecimento. Uma tradição multissecular que não desaparecia, ou melhor, que não pereceria frente à voracidade das prensas e da nova cadeia produtiva na qual ele se inseria.
No caso das encadernações, uma mudança de peso ocorre na primeira grande oficina impressora atuante na virada do século XV para o XVI. O ateliê tipográfico de Aldo Manúzio (1450-1515) fez escola no campo da ars tipográfica, ao desenvolver e disseminar os caracteres latinos (romanos) em detrimento da herança gótica deixada pelos primeiros tipógrafos germânicos; no campo da edição, ao reunir em torno de sua república – a República Aldina – um grupo de sábios dedicados à leitura, seleção, tradução e cotejo de textos antigos, especialmente os gregos; e das práticas editoriais como um todo, ao diversificar a produção de formatos, conceber coleções, enfim, um padrão editorial que singularizada sua casa frente às demais.
Na oficina aldina se desenvolveu um ateliê de encadernação e, com ele, uma nova técnica que se converteu em uma nova estética.
Encadernar um livro à grega, donde o verbo "grecquer" em francês para designar a mesma ação, tornou-se uma prática atribuída à oficina de Aldo Manúzio. Expandiu-se com o tempo, criando o padrão "à grega".
Em que consiste esta prática ?
Lembremos que as lombadas eram constituídas de nervuras, as quais, por sua vez, eram feitas com nervos de boi. Donde a denominação nervo ou nervura para aquela linha saliente que atravessa de forma longitudinal o lombo do livro. Diz-se "falso nervo" para as mesmas linhas ou saliências que são criadas ainda nos dias atuais com uma finalidade eminentemente estética. No entanto, nas suas origens, os nervos de boi tinham a função de amarrar, ou de reforçar a amarração dos cadernos antes destes serem encadernados.
No sentido anti-horário, vemos descritos os procedimentos de "grecquage" do lombo,
com a finalidade de se constituírem sulcos através dos quais serão passados os fios destinados
 a prender (costurar) os cadernos.Como estes fios ficam no interior do lombo, evita-se a saliência tradicional das nervuras. Fonte: Lucile Olivier, La Reliure. Bases et Bons Gestes. Fotos de Antonio Duarte. Paris: Massin, 2005.
 
A encadernação "à grega" rompe com este paradigma da nervura, uma vez que os cadernos são unidos e reforçados com costuras que atravessam cada uma das peças do livro, unindo-as. Fazem-se, antes, pequenos furos (ou cortes) que serão trespassados por fios suficientemente fortes para unir os cadernos, sem, no entanto, criar-se o efeito dos nervos. O lombo segue plano, como nos lombos atuais. A operação de corte ou perfuração longitudinal dos cadernos tem um nome preciso: "grecquage". Esta segue um gabarito, a partir do qual o encadernador tem, com precisão, o posicionamento dos furos para a ligação dos cadernos.
E por que este tipo de encadernação se chama “à grega”?
Exemplo típico de transferência cultural aplicado à arte do livro na renascença, a encadernação à grega se tornou logo um importante testemunho da atuação dos artífices gregos na Sereníssima, esta primeira cidade-mundo que funcionava como uma conexão importante das trocas realizadas entre o ocidente e o oriente. E, seguindo a fórmula braudeliana, os espaços são trocas, das mercadorias e das gentes.
Não seria possível, por exemplo, pensar-se no desenvolvimento dos tipos gregos para a impressão de edições bilíngues, sem a contribuição de puncionistas, compositores e, no limite, impressores que dominassem bem aquele alfabeto. Também os encadernadores gregos levaram consigo uma técnica diferenciada. Tão importantes quanto os intelectuais que deixaram sua marca naquele ilustre centro produtor de livros, foram os técnicos que criaram, também eles, uma tradição multissecular neste importante elemento do livro que é a encadernação.
Logo se vê que tradicional cisão entre “arte liberal” e “arte mecânica” observada na Renascença encontrava sua expressão máxima nas oficinas tipográficas. O que todos se esquecem é que a distinção não comprometia, todavia, a capacidade criativa de seus principais agentes.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Sobre Livros - Códices Mesoamericanos


As Civilizações do Livro

Códices – Os antigos livros do Novo Mundo, de Miguel Léon Portilla, historiador e antropólogo mexicano, finalmente vertido para o português [Ed. UFSC, 2012], nos permite vislumbrar os principais livros mesoamericanos que antecederam à época das descobertas.


Um naco de pão e uma carta, era esta a encomenda que um missionário confiara a seu fiel aprendiz. O caminho era longo e, a certa altura, o jovem indígena comeu todo o pão e guardou a carta, a qual foi entregue, intacta, ao destinatário. Este a leu e perguntou ao jovem incauto pelo pão. A carta certamente mentia, respondeu o jovem, pois ele nada mais tinha a lhe entregar. O fato se repetiu. Mas, desta vez, o jovem indígena tomou certa cautela. Escondeu a carta atrás de uma pedra antes de comer o pão. Novamente, o missionário lhe perguntou o que havia acontecido, pois a missiva dava a notícia de que um pão lhe havia sido confiado. A carta certamente mentia, respondeu o jovem. Ele de fato comera o pão, mas a carta não o viu, pois ele tomara o cuidado de a esconder atrás de uma pedra.
A história se passa no século XVI e narra o primeiro contato de um jovem índio da Baixa Califórnia com a escrita. Mergulhado como estava no mundo da oralidade, o jovem não poderia ver naquela carta, na escrita, senão um ser animado e misterioso. Que até mentia!
A descoberta do Novo Mundo constitui um fato novíssimo na história das civilizações. Um marco na história moderna, já o sabemos. Uma primeira mundialização, dizem alguns historiadores, cujos reflexos nos campos da ciência, da política, da religião e da cultura ainda nos surpreendem. Conhecimentos novos que se converteram em livros, sob a forma de relatos de viagens, correspondências, mapas, estudos astronômicos, enfim, uma fortuna bibliográfica de valor inestimável a perder de vista nas principais bibliotecas de todo o mundo. Afinal, a invenção de Gutenberg tornara possível difundir a grande novidade por todas as partes do velho continente.
Mas o que sabemos sobre o contato dos povos americanos com os livros?
Códices – Os antigos livros do Novo Mundo, de Miguel Léon Portilla, historiador e antropólogo mexicano, finalmente vertido para o português [Ed. UFSC, 2012], nos permite vislumbrar os principais livros mesoamericanos que antecederam à época das descobertas. É bem verdade que esses exemplares não reproduzem de maneira rigorosa a forma-livro tal como ela se consolidara, há séculos, no Ocidente europeu. Pouco importa. Afinal, também a Europa conviveu com os livros-sanfona e os antiquíssimos rolos cujo uso se demorava no Oriente.
Replica do Codex Fejervary-Mayer, Liverpool Free Public Museums 
Interessa observar que as civilizações mesoamericanas conheceram diferentes níveis de contato com a escrita. Uma longa história que vai do jovem ingênuo que via no livro um ser animado – e mentiroso – ao altivo imperador inca Atahualpa, que negou a autoridade da Bíblia diante de um mensageiro de Pizarro, pois esta apenas lhe respondia com um longo silêncio às questões que ele lhe foram propostas. O que nos faz refletir sobre os encontros e desencontros dos povos da América com a escrita. E com o livro. Uma última história. Conta-se que um certo nahua-pipil, procedente de uma região que hoje equivaleria ao Pananá, notou nas mãos de um missionário um livro. Surpreso com a descoberta, perguntou-lhe simplesmente se os homens de seu mundo tinham o hábito de ler livros. O missionário não menos atônito respondeu que, sim, que ele vinha de um mundo onde as pessoas conheciam os livros. Sem muita cerimônia o indígena tomou-lhe o livro e se pôs a examiná-lo. Ocorre que se o objeto lhe era bastante familiar, a escrita lhe pareceu estranha. Não menos altivo que o imperador inca, porém, certamente mais curioso do que aquele, ele se pôs numa longa e acurada palestra com o missionário, permitindo-se comentar a escrita do outro e certos aspectos daquela estranha civilização, cujas notícias sobre os modos de viver chegavam até ele. Naquele momento, civilizações tão diferentes, enfim, se encontraram. E não era menos certo de que o conhecimento do mundo pelos livros fixara um laço entre os dois convivas. Dois personagens, enfim, dolorosamente ligados pelos muitos desencontros que os livros registraram neste importante capítulo da história das civilizações.
Artigo publicado em versão impressa na Revista Brasileiros, março/2013.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Sobre Livros - Da Página Manuscrita à Página Impressa

Continuando o tópico anterior sobre a razão gráfica que preside a construção da página ...

Vista da cidade de Strasburgo (Argentina, em latim), tirada das Crônicas de Nuremberg, de Hartmann Schedel [Nuremberg: Anton Koberger, 1493]. Ninguém colocará em dúvida a genialidade da construção desta página,
cuja ilustração não só está em harmonia com o texto, mas dirige a distribuição do texto,
tomando como eixo a torre da catedral. Frédéric Barbier, L'Europe de Gutenberg. Paris: Belin, 2006, p129.
Se nossa atenção se volta para os diferentes processos que resultam em uma página impressa ou em uma obra arquitetônica, veremos que ambos não podem prescindir de um projeto. É o que vemos na Renascença italiana, quando emergem as “cidades ideais”. Segundo G. C. Argan reside nesta divisão de tarefas, a saber, a de pensar a cidade e a de torná-la exeqüível, o aparecimento de duas formas de trabalho: o reflexivo, as chamadas “artes liberais”, realizadas pelos intelectuais; e o manual, as “artes manuais”, realizadas por aqueles que as executam, os executivos.
Também fruto dos séculos de mutações que marcam o alvorecer da Época Moderna, a arte de impressão por meio de tipos móveis, ao se difundir no Velho Mundo a partir de meados do século XV, pressupôs nova forma de planejamento da escrita sobre a página. Não que os antigos escribas desconhecessem essa conduta. Os livros manuscritos que sobreviveram às intempéries do tempo testemunham os esforços por eles despendidos no sentido de organizar as palavras na superfície dos pergaminhos. Esforços que atentavam para os princípios estéticos e de legibilidade do texto, os quais se cristalizam na tradição tipográfica. Porém, a invenção dos tipos móveis exigia algo mais. Exigia o trato com as palavras por meio de instrumentos mecânicos. Talvez, nesse ponto, devamos reivindicar para os livros caracteres que os distinguem de outras manifestações artísticas, dentre elas a arquitetura, nesse contexto de nascimento das “artes liberais” e das “artes mecânicas” às quais alude G. C. Argan. Pois, antes de ter promovido a divisão do trabalho, a arte tipográfica promoveu, nos seus primórdios, a concentração de diferentes competências nas mãos de um só artífice.
A conhecida Biblia de 42 linhas, impressa por Gutenberg, em Mainz, por volta de 1450, constitui exemplo eloquente do uso de múltiplas artes a serviço de um projeto.  
Página de Bíblia de 42 linhas (B42) imprensa sobre pergaminho por Gutenberg,
em Mainz (Mogúncia, em latim), por volta de 1445. 

O esforço de produzir as matrizes em que se fundem os tipos, de moldá-los e burilá-los, termo que não poderia ser mais exato, considerando-se que tal tarefa se realizava com o auxílio de um instrumento pontiagudo denominado buril, ao que se seguem as tarefas de dispor os caracteres racionalmente em um caixa de composição, de distribuí-los, em seguida, no componedor, formando os primeiros rudimentos de texto, os quais devem ganhar sua forma final após executadas, uma a uma as fases de composição e impressão... Ora, esse longo percurso, realizado em pequenas oficinas, só poderia ser fruto do engenho e da capacidade artística daqueles primeiros artífices obstinados no aperfeiçoamento de seus ofícios.
É claro que os princípios de divisão do trabalho não demoraram a se sobrepor à imagem rotineira dos tipógrafos solitários. Também o processo de construção do livro esteve à mercê de uma série de aperfeiçoamentos. Douglas Mc. Murtrie situa o longo período de consolidação da “arte impressória” entre meados do século XVI e meados do XVIII. No século XIX até as primeiras décadas do século XX a produção do livro se viu diante de novos processos determinados pelo ritmo da indústria. Da produção de massa. 

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Sobre Livros e Cidades - A Página Manuscrita

UMA SOCIEDADE ANIMADA PELA PALAVRA, PELA ESCRITA E PELO COMPASSO


Tal perspectiva abre um novo questionamento, este de ordem estética, acerca da relação entre a escrita e a ordem urbana que se inaugura no "outono da Idade Média".


Em livro publicado na década de 1960, um grupo de especialistas se propõe a refletir sobre as aproximações entre Arte e Escrita. De modo particular, sobre as múltiplas interseções entre o processo de elaboração do pensamento e suas formas de representação gráfica. Um estudo em particular, apresentado por Robert Marichal, chama-nos atenção, tanto pela ousadia, quanto pela erudição do autor, ao destacar das páginas da Súmula de São Tomás de Aquino as relações entre o pensamento escolástico e a arquitetura gótica [ver L´Écriture et la psychologie des peuples. Paris: Armand Colin, 1967].

Robert Marichal situa os componentes gráficos que demarcam os múltiplos desenvolvimentos do texto: "estamos diante do final do artigo 1 da Questão 22, a qual trata da Providência, o artigo 2 se inicia na linha 28 da coluna 1 por um grande A em azul - o mesmo do artigo 3 será em vermelho - seguindo a fórmula tradcional: Ad secundum sic proceditur: videtur quod non omnia sint subjecta divine providentie, onde se apresenta um primeiro argumento em favor desta opinião, seguindo-se a cada enunciado pela f'ómula Preterea abreviada ... Na última linha da coluna vem o Sed contra ... Enfim, a partir da linha 33 são apresentadas as refutações dos cinco argumentos contrários expostos sob os Preterea da coluna 1, anunciados por ad primum ergo dicendum, ad secundum etc.". Importa observar que a estrutura argumentativa define ou é definida por uma ordem gráfica que organiza as ideias no espaço. Robert Marichal, "Les manuscrits universitaires". In: Mise en Page et Mise en Texte du Livre Manuscrit. Sous la Direction de H.-J. Martin et Jean Vezin. Paris: Cercle de la Librairie; Promodis, 1990. O autor analisa uma página do manuscrito de São Thomás de Aquino, Somme Théologique, Ia. Pars, 1268-1306. (B.N., ms. lat. 15783, fol. 40 vo.)
De modo análogo, podemos pensar que se a escrita corresponde à organização espacial do pensamento, parece compreensível que a leitura de um texto nos convide a refletir sobre a “razão gráfica”, para utilizar um termo de Jack Goody, que preside a disposição das palavras em uma dada superfície. Pois, assim como as cidades permitem múltiplas leituras a partir de suas construções e das formas como elas se dispõem no espaço, também o texto inscrito em uma página alude a outras formas de leitura que perpassam o campo estritamente semântico. Tais aproximações entre arte tipográfica e arquitetura se realizam, aliás, em vários planos. No que toca à visualidade da página, podemos pensar como o designer John Ryder, para quem o espaço revela tanto da mensagem [do texto] quanto os espaços da cidade são reveladores de sua arquitetura [apud. Richard Hendel, O design do livro. São Paulo: Ateliê Ed., 2006]. Outrossim, se nossa atenção se volta para os diferentes processos que resultam em uma página impressa ou de uma obra arquitetural, veremos que ambos não podem prescindir de um projeto. É o que vemos na Renascença italiana, quando emergem as “cidades ideais”. Segundo G. C. Argan reside nesta divisão de tarefas, a saber, a de pensar a cidade e a de torná-la exeqüível, o aparecimento de duas formas de trabalho: o reflexivo, as chamadas “artes liberais”, realizadas pelos intelectuais; e o manual, as “artes manuais”, realizadas por aqueles que as executam, os executivos.
Também fruto dos séculos de mutações que marcam o alvorecer da Época Moderna, a arte de impressão por meio de tipos móveis, ao se difundir no Velho Mundo a partir de meados do século XV, pressupôs nova forma de planejamento da escrita sobre a página. Não que os antigos escribas desconhecessem essa conduta. Os livros manuscritos que sobreviveram às intempéries do tempo testemunham os esforços por eles despendidos no sentido de organizar as palavras na superfície dos pergaminhos. Esforços que atentavam para os princípios estéticos e de legibilidade do texto, os quais se cristalizam na tradição tipográfica. Porém, a invenção dos tipos móveis exigia algo mais. Exigia o trato com as palavras por meio de instrumentos mecânicos. Talvez, nesse ponto, devamos reivindicar para os livros caracteres que os distinguem de outras manifestações artísticas, dentre elas a arquitetura, nesse contexto de nascimento das “artes liberais” e das “artes mecânicas” às quais alude G. C. Argan. Pois, antes de ter promovido a divisão do trabalho, a arte tipográfica promoveu, nos seus primórdios, a concentração de diferentes competências nas mãos de um só artífice.
Neste exemplo, o poema de Dante ocupa o centro da página. O comentário se situa nas colunas marginais e a ligação da leitura entre as duas partes é organizada a partir de um jogo de cores. Mantém-se, assim, um princípio hierárquico, segundo o qual o lugar de honra na página é guardado para o texto principal. A Divina Comédia, de Dante Alighieri, com o comentário de Benvenuto da Imola. BnF, Manuscritos Ocidentais, italiano 78, fos 53 Vo-54.
[Estudo de Jacques Demarcq, "L'Espace de la page, entre vide et plein". In: L'Aventure des Écritures. La Page. Sous la Direction de Anne Zali. Paris: BnF, 2000]