Do Dicionário de Citações

Dupla delícia.
O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado.
Mário Quintana

terça-feira, 27 de novembro de 2012

DiverCidades - Tîrgu Mureş e a Biblioteca Telekiana



Luzes em Tîrgu Mureş - Transilvania

Bibliotheca Telekiana, detalhe da fachada - Fotografia da Autora
Tîrgu Mureş/Neumarkt am Mieresch/Marosvásárhely constitui núcleo urbano de dimensões modestas, situado no centro-norte da Transilvânia, às margens do rio Mureş. Caminhar pela cidade implica o desvendamento de passagens marcantes de sua história. Na fachada da bela igreja fundada pelos franciscanos, no século xv, uma curiosa placa anuncia em romeno um evento importante da revolução de 1848 que ali eclodiu. Mais adiante, seguindo a muralha da cidadela, testemunho dos inúmeros ataques de tártaros e otomanos de que foi alvo, deparamo-nos com a construção volumosa do Colégio Reformado (Presbiteriano), de 1557. E paremos por aqui, pois as visitas a igrejas nos remetem a uma história por demais tormentosa da presença católica, logo substituída por presbiterianos, luteranos, calvinistas e unitaristas, cujas disputas, não raro pouco amenas, estenderam-se durante séculos e se refletiram diretamente nas questões políticas e étnicas da região.

Fachada do Colégio, defronte a Biblioteca Telekiana
Mas o Colégio Reformado, ainda em funcionamento, constitui importante ponto de partida para compreender parte do acervo mantido em outra construção que lhe faz frente, embora erguida em tempos e em estilo bem diversos. A Biblioteca Telekiana, ou Teleki-Bolyai, guarda o nome de seu patrono, conde Sámuel Teleki (1739-1822).
O edifício que a abriga foi especialmente construído para este fim, em 1799. A instituição foi inaugurada em 1802, tornando-se, desse modo, a primeira biblioteca pública do país. É claro que o sentido de público tem nesse caso outras
nuanças, como bem as discutimos em nosso estudo sobre a abertura da primeira biblioteca pública na cidade de São Paulo, em 1825. Trata-se, antes, de instituição destinada a pessoas graduadas, estudiosos, acadêmicos, eruditos, noutros termos, um modelo tipicamente europeu, senão francês, pois em muitos aspectos ela se distancia de sua congênere anglo-saxã. Também não se confunde com os gabinetes de leitura, estes, sim, destinados ao grande público, com o predomínio, sabe-se, das obras beletristas.
Fachada do edifício especialmente
construído para a biblioteca
Sámuel Teleki apresenta uma trajetória muito afinada com a de outros eruditos nobres que fizeram dos principais centros europeus um local de peregrinação e fruição intelectua. Frequentou as universidades de Basileia, Leyden, Utrech e Paris, onde aprofundou seus estudos no campo das ciências e da bibliografia. O retorno à terra natal não o impediu de estreitar novos contatos com livreiros e de manter vivo o diálogo com alguns mestres, como se observa em suas correspondências. É eleito membro das Sociedades de Göttingen e de Varsóvia. Em 1787 transfere-se para Viena, na qualidade de embaixador da Transilvânia, onde intensifica os contatos com os homens de letras e, consequentemente, as aquisições bibliográficas. Foi muito provavelmente nessa época que adquiriu na capital austríaca um cofre extraordinário para a salvaguarda de algumas raridades bibliográficas.
Antes, porém, de nos deixarmos seduzir pelas raridades e outras coleções que mais tarde viriam enriquecer o acervo da Telekiana, detenhamo-nos um pouco mais nos títulos e autores que aproximavam este nobre intelectual às grandes questões do tempo. A Revolução Francesa, como deixa entrever seu catálogo, não lhe passou em brancas nuvens. Assim como a plêiade de autores que desenha, com traços fortes, a cartografia do Iluminismo imaginada por Franco Venturi. Ao lado da coleção de autores contemporâneos, a biblioteca constitui importante acervo de obras de arte, com gravuras de grandes artistas europeus, como, por exemplo, a edição em 29 volumes de Giambattista e Francesco Piranesi. A série “Biblioteca Clássica” conforma 1 400 autores grecos e latinos, reunidos em ordem cronológica, em três mil volumes. Um espaço especial foi reservado à biblioteca de sua esposa, Zsuzsanna Iktári Bethlen (1754-1797), cujo sobrenome ostenta a linhagem imponente do senhorio local.
No subsolo, repousa intacta a coleção franciscana
O tempo e as circunstâncias dotariam a Telekiana de outros fundos bibliográficos e documentais não menos notáveis. A Biblioteca Bolyai traz o nome de dois matemáticos da região, Farkas (1775-1856) e János (1802-1860), pai e filho, mestre e aluno notável do Colégio Reformado, cujo acervo foi transferido para o edifício da Telekiana após a dissolução das escolas confessionais, em 1948, sob o regime de Nicolae Ceauşescu (1918-1989). 
Foi nessa mesma época que a instituição recebeu coleções de outras escolas religiosas e a preciosa coleção franciscana do Mosteiro de Călugăreni. O fundo Teleki perfazia quarenta mil volumes e a coleção Bolyai, oitenta mil. Somem-se os mil e quinhentos volumes dos franciscanos e outros sete mil advindos dos colégios confessionais confiscados. Eis, em números, as primeiras coleções que deram corpo e alma a esta preciosa instituição, parecendo certo que outros muitos livros a ela se juntaram com o correr dos tempos, de tal sorte que o acervo atual possui cerca de duzentos mil volumes.

Versão completa do artigo em Livro n.2 - Revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição (NELE)
www.atelieeditorial.com.br

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